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Casa em Ribeirão Preto / Casa Mello [Angelo Bucci e MMBB]


         A vontade de falar sobre essa casa existe desde a primeira postagem do blog. Esse relato era sempre adiado e substituído por outros... Aldeia da Serra, Carapicuíba, Ubatuba...casas icônicas enquanto exemplos de nossa recente arquitetura, cujos conceitos e maneiras de lidar com as condicionantes sempre geraram surpresa. Dentre esses projetos, e alguns recentes (a reforma da Casa em Orlândia, e a Casa de Fim de Semana em São Paulo que deve ser fartamente publicada a partir do mês que vem), sempre foi uma incógnita o por que dessa residência em nossa Ribeirão Preto ser relegada a coadjuvante.
         Basta uma pesquisada rápida na internet ou nos livros que tratam sobre a produção recente de nossa arquitetura (os livros Coletivo[1] ou Ainda Moderno?[2], por exemplo) para verificar nossa queixa. Até mesmo nós contribuímos para essa falta de importância ao falarmos sobre esse projeto apenas agora.
         Talvez um dos grandes motivos por detrás da ausência de tal projeto em nosso imaginário recente, esteja latente nas próprias fotos tiradas por Nelson Kon a uma década atrás: a casa em Ribeirão Preto é complexa em sua simplicidade, descabida em sua escala e paradigmática em seu lugar.

Imagens do fotógrafo Nelson Kon, à época da conclusão da obra, mais de dez anos atrás

         Projetada no começo da década passada pelo escritório paulistano MMBB, que à época ainda contava com o arquiteto Angelo Bucci entre seus sócios, foi cercada de particularidades desde sua concepção.
         Sua gênese sempre esteve mais ligada ao pensamento de Bucci. Isso fica claro ao considerarmos os projetos posteriores do arquiteto (já com seu escritório SPBR) e ao fato de que outro projeto de residência se desenvolvia no MMBB naquele mesmo momento: a Casa Mariante (conhecida também como Casa em Aldeia da Serra) [3]. Embora ambas desenvolvam conceitos semelhantes (a construção de uma geografia artificial, apenas quatro pontos de apoio, etc) elas são emblemáticas no que diz respeito à estrutura.

Esquema estrutural

         Enquanto a Casa Mariante possuí um sistema de lajes nervuradas, a casa para a família Mello em Ribeirão Preto, é pendurada.
         Duas vigas invertidas amarram a cobertura: uma laje inundada (com sistema construtivo similar ao da Casa Mariante e de diversas casas projetadas na década de 1970, principalmente por arquitetos como Paulo Mendes da Rocha, por exemplo na Casa Leme). Em dias de chuva a água transborda e passa por uma gárgula, que despeja a água na piscina, sendo tratada e retornada à cobertura.



Detalhe da caixa d´água em cima da viga invertida com a gárgula:
a água transborda e depois retorna.

         Quatro pilares sustentam a laje plana da cobertura, enquanto tirantes penduram a laje do pavimento superior. Devido a esse esquema, a laje do piso elevado da residência não possuí vigas, deixando cerca de 2,40 metros de altura livres para o piloti.




         Porém, a casa não é simplesmente dividida em dois planos (térreo e superior). Existe a construção de uma geografia, através de 3 pequenos platôs de terra, cercados por blocos de concreto, que criam quatro níveis distintos, intermediários ao pavimento único da residência, elevada do solo. Nas imagens da maquete acima, é possível verificar o labirinto do térreo, delimitado pelos volumes de terra. O primeiro, posicionado logo à entrada do lote, é o recuo frontal extrudado até quase a altura da residência, hoje com um bonito jardim que cobre parcialmente a vista de quem olha da calçada. O segundo, intermediário tanto em planta como em corte, é a expansão do patamar da escada, um descanso que também comporta a piscina. E o terceiro, ao fundo do lote, é talvez o platô mais importante, e que provavelmente guiou o projeto dos demais: estrutura um arrimo, desfaz um erro de terraplanagem já existente no terreno antes que os arquitetos fossem chamados.

Corte longitudinal

Corte transversal

         A quadra onde a residência está implantada, sofre um aclive em direção ao fundo do lote. o Antigo proprietário do terreno realizou um movimentação de terra no terreno, de maneira a torna-lo plano. No entanto, a distribuição de terra acabou descompensada, o que acabou por prejudicar o arrimo do lote vizinho ao fundo. A tentativa de redistribuir a terra no lote, guiou o processo projetual.

Planta do pavimento térreo


         A escada de acesso (misteriosamente desaparecida das imagens sobre o projeto no site do SPBR) se encaixa no platô central, e lembra muito as escadas externas de outros projetos de casas paulistas (ao modo de Carlos Millan e Paulo Mendes da Rocha, principalmente da Casa Gerassi).



         Toda a distribuição do terreno em níveis (inclusive a distribuição programática, locando as áreas de serviço também no térreo), libera o programa da residência em um único nível, na laje pendurada, acessada pela escada central externa, ou pelos platôs jardins.

Planta do pavimento superior

         A planta é claramente separada em três setores, divididos nos vazios do formato em U do piso: a área frontal contém o living, nos fundos ficam os quartos e banheiros, e no centro a cozinha.





         Além da estrutura, outro destaque da casa são os fechamentos. No sentido longitudinal, a casa é fechada com vidro. Todos os panos não possuem caixilho, com interessante sistema de encaixe (repetido por Angelo Bucci em projetos posteriores, que resulta em uma fresta proposital entre o piso e o vidro, artifício que possibilita ventilação contínua, tão cara a uma cidade quente como Ribeirão Preto). Os banheiros são fechados com vidro serigrafado, proporcionando certa privacidade [4].
         No sentido transversal, a residência possuí fechamento de alvenaria de argamassa armada, coberta com painéis de fórmica.





         A Casa em Ribeirão Preto, utopia lúdica de intensões tão bonitas, que se materializam diante dos olhos. Paira leve e robusta, em meio ao entorno residencial, de um bairro que conserva as características de cidade calma de interior, em uma cidade que cresceu e se torna cada dia mais o oposto [5].
         Esse projeto não é apenas uma casa, é uma intensão, experiência que se repete e evolui depois em outros lugares, outros projetos.




[1] NOBRE, Ana Luíza; MILHEIRO, Ana Vaz; WISKIK, Guilherme. Coletivo: 36 Projetos de Arquitetura Paulista Contemporânea. São Paulo, Cosac Naify, 2006.
[2] CAVALCANTI, Lauro; LAGO, André Correa do. Ainda Moderno? Arquitetura Brasileira Contemporânea. São Paulo, Editora Nova Fronteira, 2005.
[3] A esse respeito, é clara a divisão que se deu no escritório naquele momento de trabalho nos dois projetos. Tanto a Casa Mello como a Casa Mariante constavam como de autoria do escritório MMBB em suas respectivas publicações no início da década de 2000. No entanto, com a saída de Bucci do escritório, a casa em Ribeirão Preto passou a figurar somente no site do SPBR (embora a Casa Mariante conste nos sites dos dois escritórios). Segue a tradução de um trecho esclarecedor de uma entrevista, realizada pela Revista 180 nº 16 (páginas 20 e 21) com o arquiteto Milton Braga do MMBB:
"(...) Em termos das duas casas a que você se referiu anteriormente [NT: Mello e Mariante], eu não me envolvi com a Casa Mello, que é mais do que tudo um trabalho do Angelo Bucci, que não está mais conosco. Eu tive um grande papel, no entanto, na Casa Mariante, trabalhando junto com o Angelo."
Para ler a entrevista completa em espanhol ou inglês, a edição pode ser acessada na íntegra clicando-se aqui.
[4] É evidente que o projeto desafia o morador a criar uma nova relação com seu espaço interno. Nesse sentido, o projeto nos remonta ao conceito da Villa Savoye por exemplo, onde o modernismo cria também uma nova relação com a natureza, muito além de apenas uma volumetria abstrata. No entanto, a Casa em Ribeirão Preto está presa ao lote, e força uma relação direta do morador com o entorno, por sua transparência. Apesar disso, é necessário destacar o fato de que as cortinas da casa raramente se abrem para a rua.
[5] Segundo relato de um dos vizinhos da residência aos autores: "Essa casa é linda, mas está no lugar errado. Ela deveria ficar de frente para o mar".

> Imagens da maquete (feita por Rodrigo Martin) disponíveis no site: http://taa2usach2013.blogspot.com.br/2011/05/entrega-u1t2-etapa-2.html
(É importante reparar que na maquete, o sistema estrutural não está completo: faltam as duas vigas de travamento entre os pilares, representados em vermelho no desenho de esquema estrutural).
> Todas as fotos são de Nelson Kon, com exceção das fotografias recentes, tiradas por Fernando Gobbo (07/2013 e 02/2014).
> As fotos e desenhos podem ser encontradas no site do escritório de Angelo Bucci, o SPBR, clicando-se aqui.

Comentários

  1. Sou de Ribeirão, estudante de arquitetura, gostaria muito de ver essa casa de perto. Vocês poderiam me passar o endereço exato? Sei q ela fica no Jd. Recreio e que o número dela é 187, mas não sei o nome da rua.
    Obrigado!

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    Respostas
    1. Olá Leonardo.
      A casa fica na Rua Guarantã, pertinho das ruínas do Hotel Umuarama.

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  2. oi, sou júlio césar de estiva gerbi sp estudante de arquitetura e gostaria de saber qual é a metragem total dessa casa, e qual foi o custo dessa obra, por ser inteiramente de concreto, se puder me informar, vai ser muito útil para minha pesquisa, obrigado..

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